Bahia, 1964. Saída do Cine-Guarany: “Que bela fotografia, hein? Também, com o mestre Figueroa por trás da câmera só podia sair mesmo essa maravilha em preto-e-branco”. Quem me falava assim era o artista plástico Sante Scaldaferri. Acabáramos de ver juntos “A Noite do Iguana”, o filme que John Huston lançara naquele ano, baseado na peça de Tennessee Williams. Coisas de cada qual. O pintor Sante destacara a imagem, a esplêndida fotografia do mexicano Gabriel Figueroa (indicado ao Oscar daquele ano). Quanto a mim, estava mesmo era impressionado com o poema ditado no final do filme pelo poeta-avô Jonathan Goffin, o nonno de Deborah Kerr – o canto de cisne do ator Cyrill Delevanti, que morreria logo depois das filmagens. Ele foi indicado ao Globo de Ouro, junto com Ava Gadner, melhor atriz dramática, pelo papel de Maxine Faulk, a dona do Hotel Miss Malaya.
Nunca mais me esqueci de Delevanti já meio moribundo marcando o ritmo de seu belo poema com a bengala, enquanto ditava para sua neta. Outro dia, no Rio, encontrei o dvd do filme na Modern Sound. Não sabia de seu lançamento. Revi agora e percebo que conserva intacta a bela fotografia do Figueroa; o martírio do reverendo, interpretado por Richard Burton, oscilando entre todos os álcoois e todas as seduções da adolescente Sue Lyon (logo após fazer a Lolita de Kubrick) e da já meio-que-madura Ava Gardner. Ah!va Gardner!. Ela valia por todas, e acaba “ganhando” o reverendo Shannon/Burton. E, é claro, revi o poema de Tennessee Williams “escrito” pelo nonno – nada menos que emocionante. Que posso dizer mais, a não ser que saiu disso tudo um poema, ora pois. Esse que aí vai.
a noite do iguana
How calmly does the olive branch
Observe the sky begin to blanch
Without a cry, without a prayer
With no betrayal of despair
Tennessee Williams
no leme treme tennessee
e seu solto iguana seu signo
do dia-noite atrás do dia
de um prior fantastic-indigno
john huston cede coco e rum
e burton bebe e be-bebum
trafega velhuscas turistas
e tentações lyon-lolita
gabriel na câmera foto
grafa fosca luz figueroa
luz mexicana ava-e-tarde
tesa na tela arde gardner
peixes frescos saltam no prato
vaga no écran ava qual eva
mar de maracas e mulatos
beach boys garotos de esfrega
tudo avatar tudo ava dar
na areia na água a suar
enfim se esfalfa a miss malaya
antes que a noite do céu saia
Com que calma o ramo de oliva
Vê a tarde ficar menos viva
Nenhuma súplica ou ruído
Seu desespero não é sentido
deborah kerr crava dilemas
anota versos do poeta-
nonno que na bengala bate
um certo ritmo de poema
Um dia será essa luz tolhida
E então o zênite da vida
Terá passado e em tal momento
Começará um segundo alento
nada que é humano me enoja
deborah fala e se despoja
enquanto sacana o iguana
some na noite mexicana
e vibra o poema do nonno
a neta anota e quer deborah
que reverbere em ava e burton
e gabriel-huston e todos
Num intercurso inadequado
Para um matiz que é tão dourado
Pairar tal verde deveria
Por sobre a terra obscena e fria
sus! sacana some o iguana
solto na ante-luz mexicana
e em sua voz fraca o poeta
seu poema assim nos completa
Coragem! você não poderia
Fazer outra moradia
Não só no ramo tão dourado
Mas em meu coração assustado?
RW - 16.03.2008