Estes são dois textos do tempo em que eles eram jovens, esses meninos, e de certa forma pretendiam virar o mundo com a força de suas canções. Em cena, nos anos 70, um Chico Buarque ainda de bigode, que eu chamava de “poeta”, em plena “era da Construção”, e seus quatro fiéis mosqueteiros da MPB, quando ainda havia MPB e MPB-4.
O poeta & o verbo
Nem só de olhos verdes (ardósia?) vive um ídolo popular. É preciso talento & “background” para se manter na crista da onda. Ele começou cantando as desilusões do carnaval, as bandas e as musas permanentemente na janela, vendo o tempo passar. Fez algumas incursões mais sérias: do pedro-pedreiro-drama do operário a uma arriscada e bem sucedida aventura de musicar João Cabral e seu grande auto de natal nordestino, questão mais de talento do que propriamente de olhos verdes.
De lá para cá, o compositor aprimorou sua técnica, o cantor tímido soltou sua voz e o poeta amadureceu, ganhando uma linguagem de extraordinária riqueza. Recentemente, o mesmo tema do operário com que iniciara sua carreira deu ao artista a oportunidade de criar um dos mais belos e lúcidos momentos da moderna música popular brasileira, justapondo as palavras num desenho mágico e multifário.
Sempre se apresentando ao lado do MPB-4, que desde o início soube captar com perfeição o clima de suas músicas, o compositor hoje está longe da atmosfera nostálgica de suas canções mais populares. Os olhos continuam verdes-azuis-ardósia, não importa. E quase sempre estão tristes, uma coisa. Mas agora o olhar de Chico Buarque de Hollanda também parece assumir outra tonalidade, qualquer coisa entre seco e contundente. O olhar de um poeta que soube trabalhar o seu verbo e cantar para a tribo inteira.
4 jovens & a MPB
Na época áurea dos festivais de música da TV-Record, os trios ainda imperavam na MPB, naquela base de piano, baixo, bateria, Zimbos & Tambas & eventuais tombos jazzísticos. A moda é a voga. Vale dizer: é vaga, e passa, como tudo que não tem lá grande importância. É sintomático que nenhum dos antigos trios tenha chegado à década de 70. O Zimbo? Mas aonde anda o Zimbo Trio?
“Os Cariocas” à parte, e isso é outra história, o MPB-4 foi dos poucos conjuntos a atravessar incólume os vários modismos dos últimos anos. Ruy, Aquiles, Magro e Miltinho
souberam desde o início se manter fiéis à música popular brasileira, dando a vestimenta necessária às canções que interpretam, sem apelar para os macetes da moda, resultado da criação de um “estilo em equipe”, pessoal e coletivo, e de um repertório escolhido a dedo. Mas ainda: da colocação exata dos contracantos, com variações precisas, de modo a não tornar cansativas suas performances. Principalmente, resultado do violão mágico de Miltinho, do belo jogo de vozes (onde Aquiles e Ruy se destacam) e dos inventivos arranjos de Magro & seus sete fôlegos.
Desde o início, eles estiveram ao lado de Chico Buarque, enriquecendo não só o repertório do conjunto como as próprias apresentações do compositor, o que resulta em espetáculos sempre de extraordinária força. A permanência do MPB-4 ao longo do todos esses anos demonstra uma identidade não só com Chico, mas com o próprio momento que vive a MPB. Mais ainda: demonstra que uma tomada de consciência sobrevive aos modismos inconsequentes.
RW - 10.10.2004