“Tornar-me imortal, depois morrer” – diz o cineasta Jean Pierre Melville, interpretando um escritor no filme “Acossado”, de Jean-Luc Godard. Essa trouvaille, essa como sempre brilhante sacada de Godard (citando o poeta e romancista romeno Jean Parvulesco), logo me remete ao poema “Efemeridades-Eternidades”, de Tchello d´Barros, onde as duas palavras se imbricam no espaço, vertical e horizontalmente, como num tabuleiro de cruzadas. O poema-oxímoro diz-contradiz por si mesmo, como a mostrar a efemeridade do eterno, e vice-versa. Esse é um dos muitos insights, dos muitos punti luminosi (evoé, Ezra Pound!) a despontar dos trabalhos do artista multimídia Tchello d´Barros – e que se inserem à perfeição no zeitgest, na dispersão de nosso tempo.
Modernismo, Concretismo, Neoconcretismo, Práxis, Poema Processo – os movimentos de vanguarda que afloraram no Brasil ao longo do século XX se esvaneceram, não resistiram à chegada do novo Milênio. Não há mais “movimentos” poéticos na contemporaneidade – e “vanguarda” foi um termo que também se esgarçou e desapareceu com o correr dos anos. Os poetas hoje (“experimentais”, não mais de “vanguarda”: a moda muda) trabalham solitários em suas oficinas de criação, traçam a sós suas trajetórias – e parecem cada vez mais enrustidos em seu fazer.
Tomado por uma multiplicidade de frentes, o artista plástico e poeta Tchello d´Barros é por excelência uma negação dessa premissa. Isso porque ele, na verdade, representa todo “um movimento” em si. Não só um artista em constante movimento – viajante de olhar raro e atento, sempre em constantes deambulações por vários países e Brasil afora –, mas um dos poetas que melhor congrega, embasado nas possibilidades de produção/divulgação das novas ferramentas digitais, os próprios e agora redivivos movimentos do Poema Visual e do Poema Postal. Movimentos hoje retomados em via dupla (exportação-importação), e com redobrada repercussão também no plano internacional.
Tchello não só se locomove em “pesquisa de campo” – o olhar de poeta-fotógrafo a viajar, mas sempre no foco – como também conduz suas obras e a de vários outros artistas mundo afora, Brasil adentro. De seu extenso currículo, formado por atividades registradas nos últimos vinte e poucos anos, surge um número inestimável de exposições individuais e coletivas, de curadorias, de lançamentos de livros, montagens teatrais e audiovisuais, oficinas, palestras, participação em mesas redondas, júris e diversas outras atividades aqui e no exterior.
Certa vez escrevi que o artista plástico Roberto Magalhães era “um mundo”. Na época, início dos anos 1990, “não havia para mim Tchello d´Barros”. Utilizando-se de mecanismos semióticos, e manipulando com grande mestria seus signos – ele atua com rara inventividade em diversificado campo das artes, de todas as artes. E leva em suas várias viagens mostras de seus trabalhos – esses seus poemas-instantâneos como numa fotografia, “poemínimos” de raro pendor poético. Ou seus poemas visuais, caracterizados por grande apuro gráfico, pela inventiva utilização do espaço, pelo malabarismo na extração de imagens inusitadas de infográficos, de logotipos-quase-logomarcas-logovisuais-logográficos – não fosse ele também publicitário, além de desenhista e fotógrafo de olhar apurado.
Mas não são somente trabalhos próprios os que o poeta-viajor Tchello d´Barros carrega em seu embornal poético. Ali vamos encontrar muitas vezes o material de exposições coletivas, a produção de outros poetas, daqui ou de fora – levadas com amor, isso só se faz com amor –, trabalhos ancorados no Poema Visual. Semioticamente: significado & significante, forma e conteúdo – realizações engajadas sempre numa ética & estética do olhar, os aguçados olhos de ver, recriar e expandir um mundo em eterna mutação. Sim, o poeta-plástico Tchello d´Barros é um mundo, um mundo (em si) mesmo – um mundo de muito trabalho e engenho e invenção. Um mundo efêmero, é certo, mas que traz em si qualquer coisa de perene, quem sabe de eternidade.
Ronaldo Werneck
Poeta, ensaísta, crítico